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Revista Pentagrama 2015 número 3

Date post: 23-Jul-2016
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Revista Bimestral da Escola Internacional da Rosacruz Áurea - Lectorium Rosicrucianum. Nessa edição: não o antigo, mas o universal; a cabala como processo de transformação; espinoza e a sabedoria judaica; realismo mágico - a magia da realidade; a viagem de mantao

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  • pentagrama Lectorium Rosicrucianum

    no o antigo, mas o universal a cabala como processo de transformao espinoza e a sabedoria judaica realismo mgico a magia da realidade a viagem de mantao

    2015 NMERO 3

  • tijd voor leven 2

    Edio Rozekruis Pers

    Redao Final Peter Huijs

    Redao Kees Bode,Wendelijn van den Brul, Arwen Gerrits, Hugo van Hooreweeghe, Peter Huijs, Hans Peter Knevel, Frans Spakman, Anneke Stokman-Griever, Gerreke Ulje, Lex van den Brul

    Diagramao Studio Ivar Hamelink

    Secretaria Kees Bode, Gerreke Ulje

    Redao Pentagram Maartensdijkseweg 1 NL-3723 MC Bilthoven, Pases Baixos e-mail: [email protected]

    Edio brasileira Pentagrama Publicaes www.pentagrama.org.br

    Administrao Pentagrama Publicaes C.Postal 39 13.240-000 Jarinu, SP [email protected]

    Publicao digital Acesso gratuito

    Responsvel pela Edio Brasileira Adriana Ponte

    Coordenao, traduo e reviso Adriana Ponte, Emanuel Saraiva, Leonel Oliveira, Rossana Cilento, Amana da Matta, Denison de S, Jos de Jesus, Marcia Moraes, Marlene Tuacek, Mercs Rocha, Neusa Solis, Rafael Albert, Ellika Trindade, Fernando Leite, Francisca Luz, Joo Batista Ponte, Lino Meyer, Luis Alfredo Pinheiro, Marclio Mendona, Roquefelix Luz, Urs Schmid

    Diagramao, capa e interior Dimitri Santos

    Lectorium Rosicrucianum Sede no Brasil Rua Sebastio Carneiro, 215, So Paulo - SP Tel. & fax: (11) 3208-8682 www.rosacruzaurea.org.br [email protected]

    Sede em Portugal Praa Annio Sardinha, 3A (Penha de Frana) 1170-022

    Lisboa [email protected] [email protected]

    A revista Pentagrama publicada seis vezes por ano em alemo, ingls, espanhol, francs, hngaro, holands e portugus. Ela publicada apenas quatro vezes por ano em blgaro, finlands, grego, italiano, polons, russo, eslovaco, sueco e tcheco.

    Stichting Rozekruis Pers Proibida qualquer reproduo sem autorizao prvia por escrito

    ISSN 1677-2253

    Revista Bimestral da Escola Internacional da Rosacruz urea Lectorium Rosicrucianum

    A revista pentagrama dirige a ateno de seus leitores para o desenvolvimento da humanidade nesta nova era que se inicia.

    O pentagrama tem sido, atravs dos tempos, o smbolo do homem renascido, do novo homem. Ele tambm o smbolo do Universo e de seu eterno vir-a-ser, por meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretanto, um smbolo somente tem valor quando se torna realidade. O homem que realiza o pentagrama em seu microcosmo, em seu prprio pequeno mundo, est no caminho da transfigurao. A revista pentagrama convida o leitor a operar essa revoluo espiritual em seu prprio interior.

  • xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx 1

    pentagrama ano 37 2015 nmero 3

    Viajantes! Se forem a Paris, Melbourne, Bruxelas ou outros focos de conflitos atuais na terra, mandem nossa saudao para os que caram. Para onde quer que eles tenham ido, levem-lhes nossos cumprimentos com pensamentos de amor e liberdade. Mas no se deixem levar pela retrica dos que dizem que deram sua vida, pois ela lhes ser tirada. E no fiquem entorpecidos com os gritos de liberdade ou opinio pois as massas no conhecem liberdade alguma. Elas no se movem: elas so movidas! A liberdade nasce quando a prpria pessoa se coloca em movimento interiormente. Chegamos ao conhecimento quando nos afastamos para fugir da vergonha da ignorncia. Em uma recente edio da revista pentagrama, publicamos um artigo sobre a Gnosis que est por trs da sabedoria islmica dos sufis. Nesta edio, vocs podem entrar em contato com os raios de luz da sabedoria judaica da cabala. Quem estiver em busca da Luz e ansiar por ela, com certeza ir encontr-la e no importa de onde ela venha. Por onde forem, mostrem a todos este poema de Al-Maarri (ca. 1050):

    Vossa boca clama: No h nenhum deus alm de Deus! Mas vosso corao e alma tm medo de Lhe dar razo. Eu juro: vossa Tor no vos traz mais luz nem a explica mais do que vosso vinho, que est nela. Tende cuidado com o relmpago nas nuvens! H espadas desembainhadas que realizam os desgnios do destino. Os muulmanos erraram, os cristos se desviaram do caminho reto, os judeus equivocaram-se, os zoroastristas desapareceram. Neste mundo existem apenas dois tipos de pessoas: Os homens inteligentes sem religio e os religiosos sem inteligncia.

    Ilustrao da capa: Triple blue water (Trplice gua azul). Uma combinao nica de uma pintura de Pikka Blake com uma fotografia de Kos Evans CPN-Canon, Kos Evans

    o navio celeste no livro dos mortos egpcio no o antigo, mas o universal j. van rijckenborgh 2

    a cabala como processo de transformao

    daniel van egmond 6 espinoza e a sabedoria judaica 18 a rvore da vida 27 realismo mgico a magia da

    realidade 28 c.m. christian

    a viagem do mantao 34 a redescoberta da gnosis iii 38

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  • O NAVIO CELESTE NO LIVRO DOS MORTOS EGPCIO

    no o antigo, mas o universal A filosofia da Rosacruz urea somente atual em sua maneira de se expressar. A linguagem e as imagens so modernas, mas o contedo e o objetivo so to antigos quanto a prpria humanidade dialtica e esto em perfeita e pura sintonia com a verdadeira sabedoria superior de todos os tempos. Basta que um lampejo de reminiscncia, ou seja, que a memria original ou conscincia superior brilhe em ns, para que reconheamos imediatamente a natureza dessa filosofia. Mas o subconsciente e a conscincia intelectual comum tambm podem, com um pouco de dificuldade, descobrir que a filosofia da Rosacruz urea est segura e solidamente baseada na Doutrina Universal.

    Jan van Rijckenborgh

    Trata-se de cumprir uma tarefa de acordo cumprir (Mateus, 5:17). O eterno, impereccom uma verdade que sempre a mes- vel, manifesta-se no tempo em concordncia ma, imutvel: levar de volta o homem com o agora. decado para a ptria original, e, sem introdu- Se uma obra espiritual florescente no consezir nem sequer a mnima alterao, indicar-lhe guir perseverar nessa meta, estar morta. Todo o nico caminho, a nica verdade e a nica movimento espiritual tem a misso de entender vida. Por outro lado, o que se altera a po- o universal no hoje. Talvez cause estranheza ca, a natureza e a profundidade da decadncia chamarmos a ateno para o passado, e, mais humana, assim como o estado fsico e psquico ainda, para o navio celeste do Livro dos Mortos da humanidade. Como consequncia, o ensina- egpcio. Fazemos isso numa tentativa de assim mento universal adapta-se s necessidades. firmar a atualidade por meio de um olhar para No pretendemos revivificar o antigo, mas sim o passado e, se possvel, com essa tentativa, o universal. No queremos testar os mtodos transformar uma eventual parada no curso de antigos, mas os universais em seu significado nossa vida em um verdadeiro retorno ptria. moral-racional dos dias de hoje. a maneira Diz Paulo em II Corntios (5:17): o que era como entendemos a palavra de Cristo: o que velho j passou; eis que tudo se fez novo. Sim, era velho j passou; eis que tudo se fez novo o que era velho passou, ficou novo. O que (II Corntios, 5:17). E, em aparente contra- ficou novo? Ao observarmos a ilustrao do dio: No penseis que vim revogar a lei ou Livro dos Mortos egpcio, no podemos deixar os profetas; no vim para revogar, vim para de ver o navio celeste, a barca solar. De um

    2 Pentagrama 3/2015

  • Nun levanta acima das guas originais a barca de R (indicada pelo escaravelho e pelo disco solar), tripulada por sete deuses com os quais se iniciam a Criao e o Tempo. Ilustrao do Livro dos Mortos de Anhai, ca. 1050 a.C. Fonte: R.H. Wilkinson, The Complete Gods an Goddesses of Ancient Egypt, 2003 (Todos os deuses e deusas do Egito antigo)

    Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri so os fundadores da Escola Internacional da Rosacruz urea. Nessa escola eles explicaram aos alunos a senda da libertao da alma de vrias maneiras, utilizando-se muitas vezes de textos originais da doutrina universal, tendo sido um exemplo pra eles, pois alm de estudar seriamente a senda, realizaram-na em suas vidas.

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    lado, vemos Osris ocupando seu lugar na barca solar e contemplamos seus sete raios. A barca tambm est quase sempre equipada com sete remadores ou tem sete remos. s vezes sis est sentada ao lado de Osris e sete raios do forma criana Horus. Quando Xisuthmis o No caldeu salvo, vemos sete deuses tomarem seus lugares no navio celeste. Quando o chins Yao sobe a bordo, vemos nitidamente como sete figuras o acompanham. Podemos lembrar tambm de Mani e os sete rishis que viajam com ele em sua arca. Podemos ainda chamar a ateno para relatos semelhantes nos Puranas, sobretudo para o Wendidd persa, um dos mais antigos livros sagrados. Ali, Ahura Mazda Yima ordena a seu servo: Faze uma wara ou seja, um cercado e uma argha uma arca um veculo. Leva na arca todos os germens dos seres vivos originais, tanto masculinos como femininos, e tritura a terra com tuas mos. Traze vida todas as luzes incriadas. Na arca de No no diferente. Na barca solar com a qual saiu da inundao da natureza, No levou todos os princpios de vida necessrios para uma vida realmente divina. Na Arca da Aliana, no mais recndito do tabernculo, que se encontra no deserto, e no templo de Jerusalm, vemos igualmente todos os atributos para uma vida verdadeiramente divina. O Novo Testamento fala a respeito de sete anjos e sete trombetas. Os sete anjos sopram sucessivamente em suas trombetas. E o stimo anjo soprou e elevaram-se sete potentes vozes no cu como lemos no Apocalipse. As vozes jubilavam: todos os aspectos do nosso cosmo planetrio vieram a ser por meio de nosso Senhor e de seu Cristo. O templo divino no cu abre-se e, no centro, o discpulo v a arca, a barca solar, o navio celeste que chegou. Vemos nitidamente em nossa conscincia que a barca solar de Osris, apresentada no Livro dos Mortos egpcio, a mesma que a do

    vidente de Patmos. E o significado sempre o mesmo. Para melhor esclarecer esse significado inaltervel, tomemos o navio celeste de Yima do Wendidd. Primeiro Yima faz uma wara, ou seja, um cercado, um lugar de trabalho. Nessa wara ele constri uma arca, um novo veculo, de acordo com a Lei Universal. O homem da wara o livre construtor: aquele que trabalha com o novo martelo e com a nova palavra. o homem que cria um novo lugar de trabalho, o homem que se distancia terminantemente da vida terrena, aquele que entra no novo campo de vida para ali construir sua arca. Essa arca, a barca solar, o navio celeste, a designao mstica para o homem divino que retoma sua viagem para a ptria original. Para fazer isso construir e empreender viagem necessria uma wara, um cercado. O discpulo tem de distanciar-se fundamental e estruturalmente da vida comum. Tem de despedir-se de atitudes e mtodos que so evidentemente falsos. Tem de triturar a terra, entregar o eu da natureza e, com a wara que criou, construir um novo homem, um navio celeste com o qual possa entrar no templo divino. Assim conclumos nossa viagem pelo passado. Seja qual for o sistema de despertar e de toque divino em que nos aprofundemos, a viagem ptria do Livro dos Mortos egpcio a mesma que a do Apocalipse: E vi um novo cu e uma nova terra (21:1). E agora compreendemos melhor o que dito a respeito de Cristo: Do Egito chamei meu Filho (Oseias, 11:1 e Mateus, 2:15). Sem dvida alguma, essa afirmao indica a inaltervel mensagem de salvao que permanece sempre a mesma, a mesma misso, o mesmo caminho, a mesma verdade, a mesma obra. O que era velho passou, j se tornou novo! Ento, em que sentido devemos entender isso atualmente? O velho sempre se manifesta de nova forma em concordncia com a

  • poca, a misso e as circunstncias da onda de vida humana. De novo ressoa uma hora est (a hora agora!) que corresponde aos desenvolvimentos no interior deste cosmo. Por essa razo, muitos aprendizes de construtor esto se preparando para edificar sua wara e sua arca. O tempo dos significados velados e dos smbolos j passou! A Escola Espiritual atual aponta para os sete vezes sete aspectos de seu microcosmo, seus sete campos de vida. Esses sete campos de vida com seus ncleos de conscincia os sete rishis com seus estados de vida podem ser regenerados. Para tanto, j nos foi dada a fora e o toque. Falamos a respeito de um novo campo de vida e, relacionado a ele, de uma nova Escola de Conscincia Superior com o auxlio da qual o homem stuplo deve edificar sua wara. Para que o aluno possa orientar-se perfeitamente, encontra-se sua disposio uma vasta filosofia, clara e detalhadamente definida. Para prosseguir em seu novo caminho, necessrio que acontea uma separao evidente entre os que esto no exterior da wara e os que esto dentro desse cercado ou seja, entre o exterior e o interior do campo de trabalho da Escola. Todas essas atividades tm consequncias imensas! Algumas pessoas ficam estagnadas na vida comum e outras entram em seu navio celeste em vista de uma transformao completa. E essa transformao, para ser bem sucedida, deve levar em considerao as condies espirituais, csmicas e atmosfricas de nossa poca. por essa razo que j no faz sentido estudar e seguir os mtodos antigos, as escolas antigas: elas j esgotaram sua misso! At mesmo as escolas de cinquenta anos atrs j no tm nenhum significado libertador. O que era velho j passou; eis que tudo se fez novo. Por isso falamos sobre a Rosacruz urea atual, a nova f ilosof ia e a nova Escola de

    Conscincia. Assim como o Filho foi chamado do Egito, essas atividades tambm o so. Em outras palavras: elas encontram sua essncia original no Livro dos Mortos egpcio. Elas falam e testemunham de um novo tempo, da eternidade universal. Porm o axioma ser chamado do Egito tem ainda outro signif icado e convm chamar a ateno para ele. A palavra Egito tambm pode ser traduzida como treva e, portanto, esse conhecido fragmento da Escritura Sagrada tambm pode ser lido como: das trevas chamei meu Filho. A explicao dessa frase traz em si uma lio importante, pois, se outrora j se falava em trevas, isso tambm vale para nossa poca. Ser que j houve algum momento de to completa desordem e degenerao internacional? Agora, nesse estado de trevas, todo Filho de Deus chamado. Toda criatura humana traz o verdadeiro Filho de Deus em seu sistema microcsmico. Ele est aprisionado em meio condio humana e a inmeras mentiras, acorrentado s trevas e ignorncia. a esse ser nuclear acorrentado e aprisionado que Deus est chamando! O chamado divino no apenas uma voz que comove nossa conscincia e desperta nossa pr-memria, mas igualmente uma fora atual que atinge o mundo inteiro e toda a humanidade, ocasionando processos e desdobramentos radicais. Portanto, o chamado nos questiona e devemos ver se queremos reagir com inteligncia e de modo consciente a essa fora divina atual. Por esse motivo, no tem o menor sentido retornarmos ao passado se nos esquecermos das exigncias do momento. Somente quando a expresso do Egito chamei meu Filho ganhar um sentido real e a obra de livre construo encontrar obreiros preparados e dispostos essa fora se tornar ativa no ser humano.

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    a cabala como processo de transformao Quem l o Zohar tenta deixar que o texto fale por si mesmo, que se desvele atravs das palavras, atravs dos conceitos formados durante sua prpria vida. Dele testemhunha Danil van Egmond, que, durante um simpsio organizado pela Fundao Rosa-Cruz, apresentou uma viso to profunda do pensamento mstico judeu tal como ele se expressa na cabala.

    Inmeras so as obras que tratam da cabala, sobretudo da cabala judaica ou crist, como o Zohar, o Sepher Zohar, O livro do Esplendor. Trata-se de um livro mstico cujo autor seria o rabino Shimon Bar Yochai, que viveu no primeiro ano da era crist e escapou, durante o reinado de Adriano, perseguio dos romanos. Na gruta em que se refugiara com seu filho, ele teve todo tipo de vises. Depois de ter passado treze anos nessa gruta, ele redigiu o Zohar em aramaico, a lngua da poca.

    O CORAO DO ZOHAR Do ponto de vista acadmico, esse livro apareceu provavelmente bem mais tarde, por volta do dcimo terceiro sculo. Entretanto, ele relata numerosas histrias, mitos e smbolos que remontam certamente ao incio de nossa era, seno a uma poca anterior. Para dizer a verdade, o Zohar constitui um conjunto notvel: no se trata verdadeiramente de um livro, porm de uma coleo de mais de vinte e cinco tratados. A parte principal, intitulada o Midrash, uma exegese, um comentrio mstico da Bblia, uma tentativa, digamos, de desvelar o significado profundo do Gnesis, do xodo e de alguns fragmentos de livros bblicos mais tardios. Uma traduo inglesa do Zohar est em andamento; ela comportar doze volumes de aproximadamente quinhentas pginas cada um. No Midrash esto inseridos tratados de todo tipo, e o leitor precisa ter pacincia antes de ser apresentado parte essencial, o

  • DANIL VAN EGMOND E O PENSAMENTO MSTICO JUDEU

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    A rvore da vida ou rvore genealgica do homem, segundo a filosofia da natureza de Ernst Haeckel (1874)

    Zohar, que por sua vez tambm dividido em trs partes: Livro do mistrio oculto, que compreende de doze a vinte pginas em aramaico; Livro da grande assembleia e Livro da pequena assembleia. Estes dois ltimos so comentrios do primeiro, e os trs formam o corao do Zohar. Todos os outros estudos que compem o Zohar, essas milhares de pginas a serem percorridas, constituem um tipo de preparao para a descoberta dos mistrios ocultos. Como feita a leitura do Zohar? Ele no lido como um livro qualquer, nem o lemos como a Bblia quando

    a abordamos com esprito mstico. Tentamos deixar que o prprio texto fale e se desvele atravs das palavras e dos conceitos forjados ao longo de nossa prpria vida, desde que estejamos, por assim dizer, iluminados pelo Esprito Santo. De fato, segundo os cabalistas, o Zohar um texto to sagrado quanto a Bblia e o Talmude. No judasmo cabalstico, ele ocupa o terceiro lugar entre os livros sagrados. Mas, para que seja para ns um texto sagrado, preciso que nos abramos a ele, que o leiamos, no com o intelecto, mas fundamentados no corao e esclarecidos pelo Esprito Santo. um texto que nos forma e nos transforma, porque simblico. Os smbolos ultrapassam o intelecto. Quanto mais nos abrimos aos smbolos, mais eles transformaro lenta e definitivamente nossa personalidade e despertaro o homem interior.

    A RVORE DA VIDA Voltemos s milhares de pginas de comentrios do Midrash. O que est oculto em todas as histrias relatadas so expresses relativas rvore da vida. Note-se que os primeiros leitores do Zohar ignoravam esse conceito. Durante a leitura dessas narrativas, eles tentavam visualizar, representar, graas aos mltiplos smbolos, as diferentes Sef irotes: era desse modo que a rvore da vida comeava a criar razes neles. Assim, quando abordavam o chamado Livro do mistrio oculto que era dif cil de compreender, e isso no somente primeira

  • O Zohar , ao lado da Bblia e do Talmude, o terceiro texto sagrado sobre a sabedoria da cabala

    vista a rvore da vida j estava viva dentro deles.

    O GRANDE ROSTO Para o cabalista, seja ele judeu ou cristo, a rvore da vida se parece um pouco com o esqueleto. Ela oferece uma estrutura, mas no est terminada. Falta-lhe algo. justamente no Livro do mistrio oculto que surge algo novo. De repente, a rvore da vida j no ocupa o lugar central, e parece florescer na forma de trs pessoas, s vezes cinco. Talvez voc saiba que a rvore da vida comporta subdivises. Primeiro, existem as trs Sefirotes superiores: Keter, Chokmah, Binah, chamadas de Grande Rosto. No devemos entender o termo rosto como o de um homem, mas como o de uma pessoa com a qual podemos nos relacionar de alguma forma. As seis Sefirotes seguintes, de Gevurah a Malkhut e a stima, que est oculta, formam o Pequeno Rosto. Malkhut, a ltima a partir do alto, a Filha, ou seja, a comunidade ou Eclsia. Ela corresponde, na terminologia cabalstica crist, ao Esprito Santo, pois os cristos que descobrem essa obra reconhecem nela o Pai, o Filho e o Esprito Santo. Alm do mais, foram os cristos que imprimiram o Zohar; antes, essa obra existia apenas como manuscrito. Depois, o Livro do mistrio oculto e dois comentrios foram traduzidos para o latim. Certos judeus viram nisso a prova de que o Zohar era, na verdade, um tipo de texto cripto-cristo devido ao fato de reconhecermos apenas um

    Deus: Yaweh, ou Jeov mais precisamente Yod-Hev-Vav-Heh.

    ELE TRANSBORDA DE AMOR O Livro do mistrio oculto trata, portanto, do Grande Rosto, que uma expresso do Mais-Alto, El Elion. Na cabala, ele tem o nome de Ain Soph, o sem fim e sem limites que, quando falamos de forma humana, aquele que transborda de amor. No entanto, ele s pode dar esse amor se algum o receber. Esse ser o Filho, e somente Filho aquele que se volta para o Mais-Alto. Ento, de repente, o Mais-Alto, que est alm de todo conceito e mesmo alm de toda forma pessoal, aparece, apesar de tudo, como uma pessoa, como Grande Rosto. Nasce, ento, uma relao entre o Filho, que o Pequeno Rosto, e o Grande Rosto. Mas no se trata de uma simples relao entre duas pessoas. Na verdade, a fora e o amor que afluem do Mais-Alto, recolhidos pelo Filho, provocam nele uma reverso, do mesmo modo que, a seguir, o amor pode se derramar sobre o mundo. Chamamos a isso uma criao, pois o Grande Rosto do Livro do mistrio oculto semelhante a YHVH, ao Deus do judasmo clssico. Ele o criador, embora haja em verdade sete criadores, os Eloim seis mais o stimo, YHVH, que simplesmente o ncleo oculto dos Eloim. H, portanto, sete foras criadoras, sete Sefirotes inferiores que se consagram criao. Podemos encontrar esse fato expresso nos sete dias da criao. Seria

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    preciso dizer: os seis dias da criao, pois nada foi criado no stimo dia, conforme lemos no Gnesis. O importante compreender que essa criao um ato que diz respeito a uma relao entre pessoas: percebe-se que, a seguir, tudo que se exprime na criao portador da imagem do Filho, dessa pessoa. Isso quer dizer que tudo que existe na criao , simbolicamente, de uma maneira ou de outra, uma pessoa. A criao de que se trata no a do mundo terrestre, mas ela se refere a um

    mundo situado, poderamos dizer, por detrs daquele que conhecemos e que chamamos de paraso. Acolhido pelo Filho, o Mais-Alto, aquele que est alm do todo, aparece-lhe como o Grande Rosto, como o Pai. Ns, seres humanos, no estamos em condio de chegar at Ele, a no ser mediante o Filho, segundo as palavras de Jesus. Isso permite compreender por que os cristos dos sculos XVI e XVII ficaram to fascinados por esse texto. Ningum vem ao Pai seno por mim. Toda pessoa que quiser experimentar o Mais-Alto deve, de uma maneira ou de outra, unir-se ao Filho. Em suma, desde o

    comeo do Dzenioutha, o Livro do mistrio oculto, as relaes pessoais se tornam centrais, so relaes de amor. Deus amor e toda a criao exprime esse amor. Ora, o amor implica em receber e dar. Esse mesmo livro nos conta que antes da criao do mundo, relatada no Gnesis, uma criao totalmente nova teve lugar. Ela era obra dos anjos bem como dos arcanjos que tiveram por misso receber o amor proveniente do Mais-Alto e restitu-lo por meio de hinos e

    preces. Assim, um contnuo movimento de troca com o Mais-Alto foi mantido uma dinmica de receber e dar.

    DISTANCIAMENTO E VOLTA, QUEDA E LIBERTAO O Livro do mistrio oculto relata ter havido anjos que, em determinado momento, quiseram receber e no dar. Desde ento, a situao se deteriorou. A aliana csmica foi rompida. O anjo se transformou em Sat, e esse foi o incio de todos os males. Significa que quis apropriar-se do amor: aceitava receber, mas recusava-se a transmitir. O Mais-Alto, contemplando o quadro

    YHVH o ncleo oculto

    dos Eloim, das sete foras criadoras.

    As sete Sefirotes inferiores, que velam

    pela criao, encontram sua expresso

    nos sete dias da criao

  • da primeira criao do mundo anglico, observou que ele se rompera, no por obra de apenas um, mas por uma multido de anjos que j no acolhiam, que j no davam. Estes mergulharam nas trevas profundas. Ora, como transborda de amor, o Mais-Alto quis que, a todo custo, esses anjos fossem salvos. Ento aconteceu a obra da criao tal como descrita no primeiro captulo do Gnesis: uma criao que tem por objetivo libertar o mal. Devo reconhecer que quando li isso pela primeira vez achei essa viso muito emocionante: a criao ainda no se trata da nossa criao, falaremos dela mais adiante que descrita no Gnesis, no captulo 1, tem lugar visando a libertao do mal. Tudo o que existe participa dessa obra de libertao. O lugar ocupado no Cu pelo mais importante dos anjos decados, Sat, precisava ser retomado, e por isso Ado foi criado, conforme lemos no segundo captulo do Gnesis. dito que Ado que significa homem ao mesmo tempo masculino e feminino, portanto andrgino foi criado, formado por Yod-Hev-Vav-Heh Eloim. Isso significa que YHVH como Filho assistido pelos seis outros Eloim elabora Ado com base em algo que anteriormente havia sido frequentemente traduzido por campo ou terra. Ora, na lngua hebraica, a palavra Adamah, com um h no final, refere-se

    ao Ado feminino, Me. Ado , portanto,

    formado da Me Adamah, e depois YHVH sopra nele a

    vida. O texto hebreu comporta vrios termos que correspondem a

    essa histria do Grande Rosto (o Mais-Alto), do Pequeno Rosto e da Filha. O que transmite essa histria do sopro?

    NO RETER O SOPRO O Santo, bendito seja seu nome, sopra em Ado seu prprio alento de vida! Evidentemente, no se trata de um sopro fsico, mas da fora vital. Esse sopro que do Santo se chama neschamah, frequentemente traduzido por alma. Essa alma considerada trplice: Keter, Chokmah, Binah, ou seja, precisamente os trs Sefirotes superiores. Emitidos pela boca do Mais-Alto (falando simbolicamente), o sopro penetra todos os nveis da realidade. Ele se torna como um vento, rouach, frequentemente traduzido por esprito, mas s vezes tambm por alma. Ele entra pelo nariz de Ado, recm-formado por Adamah, a terra vermelha, sua Me, e lhe permite inspirar. Ado in-spira, ao passo que o Santo ex-spira. Repleto desse sopro, Ado passa por uma fase de repouso chamada nephesh, a terceira alma. Nesse intervalo, com pouco flego, o Santo necessita inspirar. Ao contrrio, a nephesh, apaziguada em Ado, comea a sair de seu repouso e se torna rouach; ento, atravessa tudo e chega ao Santo como neschamah. Relembremos que

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    nunca se trata de respirao fsica, sendo que esta manifesta o lado exterior desse processo interior. Com efeito, ainda no estamos no plano deste mundo fsico. Nessa histria, importante ver que, mediante essa respirao, Ado religado, sem descontinuidade, de instante a instante, ao Santo, bendito seja seu nome! preciso compreender bem que essa histria mtica, e os mitos tratam do que se passa aqui e agora, e no dizem respeito absolutamente nem ao espao nem ao tempo nem ao passado. Esse processo de respirao acontece no presente. De segundo a segundo, cada um de ns recebe o sopro e cada um de ns formado, criado como alma vivente. Ento, o mito nos permite ver que se trata de nos abrirmos ao sopro para receb-lo e oferec-lo da mesma forma, sem o reter. Ado adquire vida e em seguida colocado no paraso. Na terminologia dos quatro mundos, o paraso corresponde ao mundo de Yetzirah, o mundo dos smbolos, o mundo dos mitos. Esse mundo no tem relao com o inconsciente coletivo de Jung, pois o mundo de Yetzirah muito mais real, sendo ele muito mais poderoso que o nosso mundo de experincias sensoriais. Na terra, nossos sentidos somente percebem as sombras daquilo que pertence ao paraso, o mundo de Yetzirah.

    ADO, O INTERMEDIRIO Colocado no paraso, Ado recebe uma misso. Ele deve

    dar nome aos animais, quer dizer, aos seres vivos. Como Ado executa essa tarefa? No imaginando nomes, mas orientando-se pelo Santo e penetrando, mediante contemplao, no poder do pensamento de Deus, onde lhe aparecem os tipos primordiais de tudo o que vive no paraso. ento que ele recebe o nome exato que, em seguida, pode dar. Isso signif ica que ele tem a capacidade de transmitir a cada criatura sua essncia. Ado cria assim a ponte entre o cu e o paraso. Ele no tem somente um corpo paradisaco, mas j traz em si o germe de um corpo terrestre. Ora, na parte terrestre da criao que todos os anjos da queda so, por assim dizer, aprisionados! A principal razo da criao de Ado servir de intermedirio entre os Cus e os Infernos. Por isso, ele deve tanto ser ligado aos Cus, devido a seu corpo de luz, quanto aos Infernos, devido a seu ncleo terrestre. Se frequentemente dizemos que Ado precisa fazer a ligao entre o Cu e a Terra, estritamente falando seria mais exato dizer: entre o Cu e o Inferno. Essa ligao somente possvel se Ado estiver continuamente aberto ao Santo, consciente de receber dele seu sopro, de alar-se pela contemplao a seu poder de pensamento com a f inalidade de transmiti-lo como essncia, como nome, a tudo o que vive. Por esse processo, os anjos corrompidos pela queda podem novamente ser religados a seus tipos primordiais celestes e, assim, ser libertos do Inferno.

  • A sequncia da histria bem conhecida: Ado vai cometer o mesmo erro que os anjos decados. Em dado momento, ele descobre o mundo onde todos os smbolos celestes encontram uma expresso concreta to atraente que, de certa maneira, ele gostaria no de se apossar deles mas de atribu-los a si mesmo. Essa a simbologia da cena da ma. Ado se desvia, ento, do Santo e se volta totalmente para o novo mundo. O que quer dizer que ele tudo recebe do Santo, mas se recusa a assegurar a transmisso. Ele quer guardar tudo para si e se tornar, assim, autnomo. Essa precisamente a razo de Ado ser banido do paraso. Poderamos dizer que, dessa forma, ele mesmo deixa o paraso. Nessa ocasio, outro fato intervm no paraso: a separao entre masculino e feminino. Mas esse outro assunto.

    NOSSO VERDADEIRO NOME As trs almas, Neschamah, Rouach e Nephesh, correspondem s pessoas descritas no Livro do mistrio oculto. Neschamah o Grande Rosto, o Pai; Rouach o Pequeno Rosto, o Filho; e Nephesh, a Filha, o Esprito Santo. Uma vez que, como Ado, ns deixamos o paraso e estamos neste mundo, h apenas a alma Nephesh para nos fazer viver. No entanto, recebemos ainda algo do sopro do Santo, sem o que no poderamos nos manter nesta vida. Por outro lado, j no estamos abertos ao Mais-Alto nem ao Filho, e, na base

    de nossa personalidade, da multiplicidade de nosso eu, tentamos nos apropriar de todo tipo de coisas, criar certezas etc. Conhecemos isso. Pois bem, de tanto ler o Zohar, de estud-lo, no com o intelecto, mas abrindo nosso corao a seus smbolos, uma pr-memria comea a despertar em ns. H uma diferena entre crer que Deus existe o que pode ser um ato mental, vindo da educao e provar de repente que somos chamados a nos tornar Ado, a sair deste estado de fascinao pelo mundo dos sentidos, a provar o sopro e a reviver, como Ado, como ponte entre o Cu e a Terra, ou, ainda mais forte, entre o Cu e o Inferno, a f im de que o mal seja libertado! No podemos realizar essa tarefa por nossos prprios meios, os meios de nossa personalidade isso impossvel mas podemos fazer isso se recebermos de novo, plenamente, o sopro do Santo. Esse o chamado, a vocao que nos revela que somos chamados por nosso nome verdadeiro. Assim como Ado chamava os animais por seus nomes, o Santo, bendito seja ele, nos chama por nosso verdadeiro nome. No por nosso nome de batismo, o nome que nossos pais nos deram, mas sim um nome inscrito numa pedra branca conforme menciona o Apocalipse de Joo que se torna, ento, nosso nome verdadeiro. Eu te chamei pelo teu nome, tambm dito em Isaas. Esse chamado, o fato de dar um nome, est acontecendo toda hora! Cada um de ns

    a cabala como processo de transformao 13

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    chamado a todo momento. Inmeros so os chamados, mas bem poucos os escolhidos, os que respondem ao chamado.

    TORNAR-SE UMA PESSOA Como recuperar a relao com o Filho? Podemos fazer isso lendo os textos de Zohar em receptividade contemplativa; podemos conseguir isso orando mas somente se dermos ao sopro o significado dos trs nveis da alma. Ao receber o sopro, mediante a orao, entramos em relao com o Filho, com YHVH na cabala crist, com Y-H-S-H-V-H, Ieshouah ou Jesus. Acolhendo o sopro em nossas meditaes, impregnando-nos dos smbolos, orando, entramos em relao mais estreita com o Santo, e somente ento nos tornamos uma pessoa mais que uma personalidade. No Livro do mistrio oculto, o Grande e o Pequeno Rosto so tambm pessoas. Uma pessoa um ser nico que no pode ser comparado a nenhum outro. Como h muito tempo no podemos estar numa relao eu-e-voc com o Filho, o Pequeno Rosto, permanecemos uma personalidade terrestre, ou seja, uma simples construo determinada pela sociedade e pela cultura. Todos ns temos uma personalidade fundamentada em influncias genticas, culturais e educacionais. uma estrutura psicolgica artificial. Ser uma pessoa totalmente diferente. Para isso, necessrio estar em relao com o Santo. Para um cabalista, seja ele cristo ou judeu,

    trata-se de se des-identificar. O ser humano que se perde sem cessar no mundo sensorial e psicolgico, que se identifica com uma multiplicidade de coisas por meio de seus pensamentos, seus sentimentos, seus impulsos e sua vontade, precisa aprender no tanto a repudi-los, mas a no assimil-los de agora em diante. Desse modo, criado um espao onde todos os pensamentos podem ir e vir e j no importa se eu os deseje ou no o que vale que eu j no me identifico com eles. Desde o sculo XVII nos inculcaram a ideia de que somos a fonte de nossos pensamentos, de nossos sentimentos e de nossa vontade. Ora, se fosse assim, deveramos poder parar de pensar. Imagine! Uma mente silenciosa sem qualquer f luir de pensamento... Logo voc vai perceber que isso no funciona. Concluso: no somos a fonte de nossos pensamentos. Esse processo ocorre atravs de ns. Ele acontece por meio de inmeras foras, por certos fatores ao nosso redor, por outros indivduos, pelos mortos ou talvez por todos os anjos que caram. Em todo lugar, sem descontinuidade, esses pensamentos e sentimentos surgem em ns. Alm de tudo, isso necessrio, pois todos eles precisam ser liberados. No entanto, eles no o sero enquanto nos identif icarmos com eles. E se cedemos a esses pensamentos, a esses sentimentos e a esses impulsos, tornamo-nos uma parte do problema. A tarefa de um cabalista (em realidade, isso vlido

  • Como h muito tempo no podemos estar numa relao eu-e-voc com o Filho, o Pequeno Rosto, permanecemos uma personalidade, uma simples construo determinada pela sociedade e pela cultura

    para todos os que seguem um caminho religioso ou mstico) aprender a criar em si mesmo um espao acolhedor para o Filho, aberto e receptivo para o Santo um espao que possa receber o sopro e onde impulsos, sentimentos e pensamentos tambm sejam admitidos a f im de serem transformados. Nem por isso nos tornamos de fato melhores. No, isso nos desgasta. Por outro lado, outros se tornam melhores. Como Ado, essa nossa tarefa. desnecessrio dizer que, trabalhando dessa forma, ns mesmos somos progressivamente transformados de personalidade em pessoa. importante que tomemos essa tarefa para ns, pois a criao foi concebida com esse fim, assim como Ado. Em poucas palavras: o homem foi criado tendo em vista a libertao do mal.

    OS TZADIKIM Para o cabalista, no se trata de uma via que o libertaria do mundo. O objetivo no se retirar do mundo, pois este necessita justamente de pontes para que o Cu e a Terra (ou o Inferno) se reencontrem. Em praticamente todas as culturas e religies mencionado ser necessrio um nmero mnimo de tzadikim, de justos, de eixos do mundo que faam a ponte entre os Cus e os Infernos da Terra. Sem esses justos, a criao estaria perdida. As passarelas so indispensveis. Cada ser humano chamado por seu prprio nome para se tornar tal passarela. Como cumprir essa vocao? A resposta mergulhar nos mitos; ou no interior da tradio cabalista: ler o Zohar. Acolhendo os smbolos em nosso ser, a rvore da vida erigida em ns. Quando chegamos ao Livro

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    Uma rvore da vida moderna: representao grfica do desenvolvimento das espcies de pssaros com base em um ponto central

    do mistrio oculto, descobrimos que existe de fato um Grande Rosto e um Pequeno Rosto, que possvel comunicarmo-nos com eles, fazer parte de uma Eclsia, de uma comunidade a Filha , e tomar parte no movimento entre os trs: o Grande Rosto, o Pequeno Rosto e a Filha. Em resumo: ter sido chamado por seu nome ter recebido uma misso. A essa misso podemos responder com a orao regular, a meditao ou a contemplao. Podemos tambm aumentar nosso espao interior, no somente durante as horas de meditao, mas em nossa vida cotidiana. Dessa maneira, discretamente, tornamo-nos uma passarela entre o Cu e a Terra. No entanto, certas armadilhas surgem. Imagine s: em certo momento voc percebe que pode ser uma passarela. Logo h o risco de o eu interferir, pensando: Como sou importante! Como trabalho bem! A partir desse momento voc est correndo o mesmo risco que Ado: ao voltar-se para si mesmo, sofre mais uma queda! Grandes so as tentaes de tudo tomar para si, de se apropriar

    do que recebemos e que deve ser passado. Foi isso o que fez o grande arcanjo Lcifer, foi isso o que fez Ado. Todos ns temos essa inclinao, essa tendncia. Por essa razo o caminho da cabala exige que nos aprofundemos nos smbolos. E devemos fazer isso no de maneira terica, aprendendo seus significados, pois assim que o fragmentamos! Precisamos despertar para a realidade simblica e estar, ao mesmo tempo, continuamente abertos ao Santo, sabendo plenamente que nada podemos pensar por ns mesmos, nem sentir, nem querer o que quer que seja que valha a pena. Somos um aparelho receptor da mais alta importncia! Afinal, de dentro de ns que o mal pode ser liberado.

    A TAREFA DE DAR NOMES Alguns de vocs devem ter ouvido mais de uma vez que cabala significa receber, no no sentido de receber ensinamentos, pois strictu sensu, na cabala no h doutrinas nem teorias, as quais so produtos conceituais.

  • Algo totalmente diferente receber o sopro e acolher os smbolos que operam a transformao. Trata-se de receber um nome e ao mesmo tempo devolver o que recebemos. O cabalista restitui tudo, tanto ao Santo quanto a seu prximo, e sobretudo natureza, porque, como diz Paulo, a natureza sofre as dores do parto e tambm quer ser liberta. Essa natureza, bela como , o tempo e os homens a trazem acorrentada. Tudo que est presente na natureza tem seu prottipo no mundo dos smbolos, o mundo de Yetzirah. Ao longo de um passeio, voc se aproxima de uma rvore ou v uma vaca, e, ento, como voc um espao, um Ado, voc religa essa vaca ou essa rvore ao tipo primordial dela. Voc faz exatamente o que Ado fez no paraso. Voc d vaca um nome, e assim, ela pode, por um instante, ser mesmo o que ela em realidade. Essa a tarefa de Ado: fazer o papel de ponte entre o Cu e a Terra. nisso que consiste a tarefa de dar nomes. dito que a cabala tpica da tradio judaica, mas no incio deste artigo tratamos tambm da cabala crist. Se, num ambiente acadmico, devssemos fazer um estudo comparativo, encontraramos ao mesmo tempo grandes similaridades e grandes diferenas. Com efeito, as tradies judaicas e crists tm cada uma sua prpria simbologia. Com maior frequncia, reconhecemos nelas o mesmo tipo de caminho.

    Repetimos: numerosas so as tentaes nesse caminho, especialmente a de tudo atribuir a si mesmo e a de querer deixar este mundo o mais rpido possvel, pois ele apenas um vale de lgrimas. Nesses dois casos, no fazemos nosso papel de passarela entre Cu e Terra. A tendncia de querer deixar este mundo para trs e se elevar de qualquer maneira para nunca mais voltar to errnea quanto a inclinao a se identificar com a Terra. A primeira pode parecer mais espiritual, no entanto ela to egocntrica quanto a atitude materialista, pois a misso de Ado ser uma ponte entre o Cu e a Terra. Ado foi aprisionado Terra e ao Cu, de modo que os dois pudessem ser religados e o mal pudesse ser liberto.

    Danil van Egmond realiza, h 15 anos, conferncias e cursos de

    meditao na Fundao Arcana. Alm de numerosos artigos,

    ele escreveu quatro livros: Body, subject and self (O corpo, o

    sujeito e o ser 1993), De dood serieus nemen (Levar a morte a

    srio 1996), De mens en zijn engel (O homem e seu anjo 2012)

    e De wereld van de ziel (O mundo da alma 2014)

    a cabala como processo de transformao 17

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    espinoza e a sabedoria judaica Uma explorao da mstica judaica universal e de suas razes de sabedoria que continuam at os dias atuais. Elas formam a base no expressa daquilo que Espinoza chamava de caminho ngreme, isto , a conduta daquele que vive segundo a razo.

    Do modo como se conduz um homem racional.

    D a antiga sabedoria procedem trs ensinamentos ou sistemas que, outrora, foram autnticos caminhos para os alunos ou adeptos que se aplicavam em estud-los. Eram eles: a astrosof ia: o estudo dos doze signos do zodaco e dos dez planetas que mais tarde dariam origem astrologia; o tar, o mais antigo dos sistemas, cujo uso bastante puro ressoa atravs da Rota dos rosa-cruzes com seus vinte e dois meta-arcanos; o ensinamento da rvore da vida com suas dez Sef irotes, ou luzes, e seus vinte e dois caminhos. A cabala , em sua forma, uma representao da mstica judaica e de seu pensamento libertador. Ela claramente anterior ao sculo XIII, poca de seu surgimento pblico, quando se propagou o ensinamento da rvore da vida. Do sculo XV ao sculo XVIII, esse ensinamento inf luenciou grandemente o pensamento religioso judaico. Fazer uma ligao entre Espinoza e a mstica, sobretudo a mstica judaica, poderia suscitar uma controvrsia. Com efeito, a direo da sinagoga Ets Haim de Amsterdam excomungou Espinoza, condenando-o danao eterna, em termos de rara violncia.

    No entanto, a sabedoria judaica tradicional tambm fala sobre a conduta do homem racional e mostra como a razo pode gui-lo. Descobre-se a prtica dessa sabedoria graas aos signif icados dados s ligaes e passagens entre as dez Sef irotes, sendo que cada

    uma delas tem nome e sentido prprios. Existe um movimento que vai de Ain Soph Halakha e Tikkun. Ain Soph relaciona-se com o conceito espinoziano de Substncia, como veremos. Halakha uma noo religiosa judaica muito antiga que signif ica o justo caminho da vida (comparvel ao Tao chins). Tikkun pode ser traduzido como empenho pela busca da harmonia com Ain Soph. Numa outra interpretao do cabalista do sculo XV Isaac de Luria, Tikkun signif ica restaurao, o que compreensvel quando, segundo o escritor Gary Lachman, nos vemos como restauradores ou reparadores do cosmo, tendo de corrigir os erros cometidos por Deus quando da criao do universo.

    A tica de Espinoza uma obra dif cil devido a suas argumentaes de ordem geomtrica. No sculo XVII, essa abordagem tornou-se um critrio: antes de encontrarmos o caminho certo, avalizar equivalia a saber. O ponto de partida utilizado por Espinoza corresponde exatamente quilo que Eliphas Lvi explica nos Princpios da cabala em dez lies: A paz perfeita pode ser alcanada pela calma do poder do pensamento e pela quietude do corao. No fundo, o crente judeu aspira ao shalom, isto , paz que restaura a terra. Eliphas Lvi explica ainda que o saber tradicional dos antigos hebreus podia igualmente ser chamado de aritmtica do

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    crebro humano. Seria a lgebra da f que resolveria todos os problemas psquicos, como se tratasse de equaes nas quais ter-se-ia eliminado as incgnitas e, por isso, as ideias e os pensamentos adquiririam a pura limpidez e a estrita exatido dos nmeros. No que concerne ao poder do pensamento, os resultados seriam infalveis (mesmo se, na esfera do saber humano, eles permanecessem relativos); quanto ao corao, ele conheceria a tranquilidade perfeita. Em suma, trata-se exatamente daquilo que Espinoza quer obter com o auxlio de seu mtodo f ilosf ico inspirado pela geometria, e seguido na tica. A razo est a servio da paz do corao, e as emoes transformadas suscitam a ao segundo o grau de entendimento racional atingido. O ponto de partida, a base, Ain Soph.

    As Sef irotes so tambm representadas como dez envoltrios ou casulos ao redor do ncleo que Ain Soph, o centro impenetrvel e sem forma de tudo que existe. Pode acontecer que esse centro seja colocado acima das Sef irotes, mas justif icado design-lo o que h de mais central, circundado pelos dez envoltrios. O Cntico dos Cnticos de Salomo (6:11) faz referncia a Ain Soph nos seguintes termos:

    Desci ao jardim das nogueiras, para ver se brotavam as vides, se f loresciam as romeiras.

    Descer ao jardim das nogueiras uma expresso utilizada pelos cabalistas durante suas meditaes sobre o nada em tudo isso. Notemos que Shakespeare faz Hamlet dizer: O God! I could be bounded in a nutshell, and count myself a king of inf inite space... (Meu Deus! Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espao inf inito). Ain Soph pode ser def inido como o que no tem comeo nem f im, a derradeira e ltima realidade, o nada absoluto, aquele que evita dar um nome a Deus ou descrev-lo de maneira realista. o Deus sem nome, que se manifesta a Moiss.

    Observemos que a noo de Ain Soph bastante parecida com as ideias de Mestre Eckhart, e portanto diferente da mstica judaica. Por volta do ano 1300, um cabalista que se manteve annimo afirmou o seguinte: Sabei que Ain Soph o nico Cognoscvel no mencionado nem pelos profetas, nem nas hagiografias, nem nas palavras dos sbios do Talmude. Apenas os mestres a servio de Deus (que so os msticos) recebem informaes secretas a seu respeito.

    Um sbio holands escreveu o seguinte: Nas Sef irotes, as coisas criaturais so ordenadas de tal maneira que, na intuio dos msticos, podem ser compreendidas como categorias do pensamento. Segundo alguns autores, os conceitos sef irticos Yesod e Shekinah so colocados em relao com

  • rvore de conhecimento, correspondendo s sete Sefirotes, os aspectos inferiores da rvore da vida. Valentin Weigel (1698), inspirado em Jacob Boehme

    os dois atributos da Substncia acessveis ao homem: o pensamento e a extenso, ideias estas desenvolvidas por Espinoza. Foi talvez Espinoza quem fez a ligao entre Yesod e Malkhut, ou Shekinah, entre o pensamento e a extenso. Ele o fez como racionalista mstico, como mstico animado pela razo, consciente do Ain Soph, consciente da Substncia divina.

    Espinoza distingue trs graus do conhecimento: o conhecimento nascido daquilo que sentido e experimentado; o conhecimento e a compreenso resultantes da observao, assimilados pela reflexo; o conhecimento decorrente da intuio, ou seja, do amor dirigido a Deus, ligado razo (amor dei intellectualis).

    Esses trs modos de conhecimento referem-se claramente ao pensamento segundo linhas cabalsticas. Vemos neles qual a relao entre o conhecimento e as Sef irotes. Segundo o Zohar, o conhecimento representado pela rvore da vida leva em si a dualidade. Isso, porm, no concerne s trs Sef irotes superiores: Keter (coroa), Binah (compreenso, inteligncia) e Chokhmah (sabedoria).

    Em minha opinio, a no dualidade em Espinoza est relacionada rvore da vida, portanto s trs Sef irotes superiores, e sobretudo a Ain Soph. O jovem Baruch seguiu, dos cinco aos quinze anos, o ensinamento da escola Ets Haim. Baruch era descendente de judeus expulsos de Portugal que se exilaram em Amsterdam no incio do sculo XVII. Na Pennsula Ibrica, esses judeus haviam haurido do abundante tesouro de f ilosof ia e de sabedoria que enriquecera durante sculos a elevada cultura rabe.

    Espinoza foi mais que convenientemente formado em cincia e sabedoria judaicas. Podemos supor que aps abandonar o estabelecimento, em 1647, ele teria mantido relaes pessoais com seus ex-professores em forma de conversas ou mesmo aulas particulares. Ets Haim signif ica rvore da vida. Ain Soph, como centro de tudo o que existe em si, manifesta-se, segundo Espinoza,

    espinoza e a sabedoria judaica 21

  • Vitral colorido em uma estao de metr em Almaty, anteriormente Alma-Ata, no Cazaquisto

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    mediante formas e atributos, dos quais dois so acessveis ao homem, segundo nossa f ilosof ia. Ele os denomina pensamento e extenso, conceitos abstratos prximos das Sef irotes Yesod e Shekinah. Podemos ver essas formas de manifestao como ef lvios, emanaes da unidade partindo do centro de todas as coisas, do original ou do inf inito, tal como sugere Shakespeare pela boca de Hamlet.

    Vemos que uma mo segura o que liga Yesod e Malkhut ou Shekinah, o que liga o pensamento e a extenso, e que embora as trs Sefirotes superiores sejam diferentes, eles guardam uma relao vertical com Yesod e Malkhut.

    Isso expressa a relao com a terceira e mais elevada forma de sabedoria em Espinoza: a intuio do divino, cuja base Malkhut ou Shekinah.

    Interessante em Espinoza que ele no exclui uma coabitao com Deus (vivente no interior do ser). Muito ao contrrio. Diferentemente de Willem Blijenbergh, ele sugere de forma clara essa coabitao e liga-a de modo direto lei do amor. Como f ilsofo, Espinoza desejava receber a sabedoria inaltervel, e descreveu como buscou receb-la em sua alma. Livre aquele que compreende, dizia Espinoza. Essa uma de suas mais lapidares frases.

  • Livre aquele que compreende

    O HASSIDISMO O ensinamento hassdico baseia-se igualmente na cabala mstica com numerosos testemunhos que mostram a importncia do papel representado pelo justo sentir; a autenticidade do hassidismo reside na prioridade dada ao corao. Alguns desejam ir to longe nessa orientao exclusiva sobre o corao que consideram sua abertura como o mais importante de tudo, chegando at a recusar toda ideia de competio. Observamos isso no taosmo mas tambm, no sculo XX, na f ilosof ia de Martin Heidegger. Pelo fato de o hassidismo ser considerado um sistema f ilosf ico, importante examinar o que fez a f ilosof ia ocidental com os

    elementos da cabala sempre atuais e relativos natureza divina. Vejamos, por exemplo, Ain Soph, o Deus oculto, que no tem comeo nem f im, a saber, a ltima e derradeira realidade.

    J salientamos que h um paralelo a ser feito entre Ain Soph e as concepes de Mestre Eckhart, muito particularmente no que diz respeito ao aspecto oculto de Deus. pouco conhecido o fato de que um f ilsofo moderno como Espinoza designa esse mistrio divino Substncia, na qual esto contidas todas as propriedades de Ain Soph. Essa Substncia, esse Deus oculto, no possui nenhuma relao seno consigo mesma. No obstante, do mistrio originam-se as Sef irotes ou, como diz Espinoza, os atributos, as caractersticas das diferentes formas de manifestao. Em todas as Sef irotes, portanto mediante todos os atributos, o Deus oculto expressa completamente o seu ser. Ademais, a palavra cifra deriva do singular de Sef irotes: Sef ira, expresso da mais profunda sabedoria divina, que no possui qualquer outro objetivo fora de si mesma. O Deus oculto surge ao saber mais profundo, intuio do cabalista, em dez aspectos.

    YESOD E SHEKINAH De acordo com a cabala, existem duas Sef irotes que so

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    imediatamente conhecidas pelo homem em sua condio de exlio. So eles Yesod, o fundamento de todas as formas ativas, e Shekinah, o deus interior. Na cabala, essas duas Sef irotes so designadas rvore do conhecimento e rvore da vida.

    O PENSAMENTO E A EXTENSO Ain Soph, de onde emanam Yesod e Shekinah, , portanto, o que Espinoza traduziu como Substncia, que se manifesta sob os atributos do pensamento e da extenso (Res cogitans et res extensa). Dessa maneira, ele traduziu o ensinamento mstico da cabala em novos conceitos f ilosf icos, exprimindo-se na ratio, na razo do sculo XVII. A ratio diz respeito ao eu isolado, solitrio. Em seu ensinamento da cabala, Espinoza explica esse eu isolado, encerrado em res cogitans, isto , em nosso pensamento. Ele tenta romper esse isolamento mediante a negao de que cogitatio (o pensamento) e extensio sejam substncias, pois, af inal de contas, eles so as Sef irotes, as luzes radiantes do Deus oculto.

    O CONHECIMENTO DO CORAO Espinoza desejava transformar a meta da cultura ocidental, caracterizada por suas pesquisas de ordem tecnologica e seu desejo de poder, em uma mstica voltada fonte do Deus oculto. Seu grande mrito ter consagrado todos os seus esforos na tentativa de subtrair a sociedade de sua poca das garras do desejo de posse.

    Na capa de Porta e Lucis (Riccius, 1516), uma mo sustenta o que liga Yesod e Shekinah ou Malkhut. Espinoza fala sobre o pensamento e a extenso. As trs Sefirotes superiores distinguem-se entre si, mas possuem uma ligao vertical com Yesod e Shekinah, o que expressa a relao com a terceira e mais elevada forma de conhecimento em Espinoza, a intuio divina, cuja base Malkhut ou Shekinah

    O que seria, ento, essa razo original de Espinoza? H apenas uma resposta possvel: a razo de Espinoza um assunto do corao. Para ele o conhecimento do corao que se manifesta na intuio, que a mais elevada forma de conhecimento. Essa intuio , em realidade, o amor a Deus, pois reconhece Deus como a origem de todas as coisas. A compreenso da decorrente corresponde ao seguinte testemunho hassdico: O hassidismo se encontra em teu corao. O hassidim busca antes de tudo a alegria, e mesmo o xtase que conduz ao cu, estados esses produzidos em funo de cada boa ao realizada na terra.

  • A noo de ratio ou razo de Espinoza relaciona-se exclusivamente ao corao. o conhecimento do corao, que se manifesta na inteligncia superior, a intuio

    REALISMO E CHOKHMAH Espinoza se mostra realista quando af irma: Deus no tem qualquer objetivo, pois se o tivesse, faltar-lhe-ia alguma coisa. O homem estabelece objetivos e tenta realiz-los; ele projeta esses objetivos em Deus. Mas quando Espinoza fala sobre a razo, essa ideia no provm do eu isolado, mas de seu corao, onde esto conservadas as lembranas de suas relaes concretas com os antigos, pois suas concepes indicam uma relao evidente com a literatura bblica.

    Chokmah, a sabedoria, um atributo divino. No livro dos Provrbios (8:22-23) da Bblia, a sabedoria se expressa da seguinte maneira: O Senhor me possua no incio de sua obra, antes de suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princpio, antes do comeo da terra. Essa sabedoria divina original comunicada ao corao humano. O Salmo 90:12 diz: Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos corao sbio.

    OCULTO, NO OBSTANTE PRESENTE Vimos, portanto, que o Deus oculto no est ausente, apesar das aparncias, e que por conseguinte uma relao secreta possvel quando se toma conscincia de Ain Soph e se vivencia uma elevao at ele. Trata-se de uma relao de profunda conf iana. Essa relao pode ser to intensa que traz em si a certeza absoluta do retorno da relao

    visvel com Deus, traduzida pela expresso caminhar com Deus, mesmo que isso possa parecer impossvel em nossa sociedade, que no tem o mnimo conhecimento da Essncia que move o mundo.

    Segundo os que entraram em contato com as fontes de sabedoria no Oriente, o nome de Deus no pode ser pronunciado, no Ocidente, sem que isso represente uma blasfmia. Eles compreendiam que no era possvel falar de Deus e pronunciar seu nome sem ofuscar a perfeio do ser divino. Eles entenderam que as projees humanas so imprprias para expressar o conceito de Deus. Sobretudo a Europa, a Amrica e outras partes do mundo esto contaminadas por imagens caducas e inapropriadas de Deus, cada dia mais difundidas.

    A RELAO OCULTA UM ENCONTRO Os msticos e os f ilsofos hermticos dizem que a relao secreta se torna possvel quando se experimenta ser envolto em Ain Soph. O Deus de Espinoza pode ser encontrado com a condio de que a conscincia compreenda e experimente Ain Soph: o nico que mantm o Todo em si, que inf inito e est oculto para a conscincia comum. Catharose de Petri, co-fundadora do Lectorium Rosicrucianum, expressou isso de maneira lrica: ... Pois quem parte em busca da Unidade e vai ao encontro de Deus,

    espinoza e a sabedoria judaica 25

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    desvenda todos os nmeros e, munido de poder inviolvel, avana em Deus de fora em fora, e no fraquejar no caminho.

    Em outras palavras, quando, ligado a Ain Soph, se parte em busca de Deus, no mesmo instante inicia-se a relao secreta com Deus. Adquire-se ento pouco a pouco os atributos do homem divino, bem como a possibilidade de decifrar os nmeros ou cifras: as Sef irotes. Torna-se um iluminado que, de fora em fora, vive em Deus. Desse modo Espinoza ensina que a luz mstica coincide com a luz da razo (conhecimento do corao), assim como o hassidismo do corao se harmoniza com a cabala. De fato, a cabala estabelece que o Deus oculto no tem qualquer relao seno consigo mesmo, estando, contudo, profundamente ligado sua criao que, por isso mesmo, possui propriedades divinas.

    TIKKUN E A DIVINA INTUIO Segundo Espinoza, na intuitio dei assim ele denomina o mais elevado conhecimento , o sbio desvenda o mistrio da separao aparente. Para os cabalistas, este conhecimento ao mesmo tempo uma conduta: Tikkun, a busca da harmonia com Ain Soph. Em Espinoza novamente encontramos Tikkun como amor dei intellectualis. E na Intuitio, o sbio busca a harmonia perfeita com a Substncia, o que lhe permite decodif icar as cifras.

    Por esse ngulo, a estrita construo geomtrica da tica deve ser compreendida assim: a lgica, inspirada pela razo superior, liga-se estrutura das emoes, das sensaes e dissolve-os no amor, o amor dei intellectualis. A medida humana e a medida divina tornam-se visveis em sua relao pura e original. Assim, o mistrio, o que est oculto, pode se revelar.

    1. G. Scholem, Maarechen ha eluhath, Mantua 1558 e Die Judische

    Mystik (A Mstica Judaica), Zurique 1957

    2. Como os Breslovs - segundo Rebbe Nachman de Breslov (1772

    1810), (bisneto de Baal Shem Tov)

    3. Dr. F. de Graaff, Espinoza en de crisis van de westerse cultuur

    (Espinoza e a crise da cultura ocidental), J.N. Voorhoeve, 1977

  • a rvore da vida

    C abala signif ica recepo ou revelao. A cabala uma doutrina espiritual israelita simbolizada pela rvore da vida e suas dez luzes ou Sef irotes. Essa sabedoria primordial foi revelada a Abrao, transmitida oralmente por centenas de anos e, mais tarde, no sculo XIII, legada humanidade por escrito no Sepher Zohar. As dez Sef irotes so interligadas por 22 sendas. Estas esto em concordncia com as 22 letras do alfabeto hebraico, que so consideradas a frmula sublime da Criao divina. Cada letra tem um valor numrico, uma cor e um valor simblico. As trs letras matrizes Alef, Mem e Schem so as trs letras-Mes, ou seja, so a base para toda a Criao, mas tambm as demais letras tm signif icados profundos.

    O captulo II do Gnesis fala sobre duas rvores, dois princpios vitais: a rvore da vida e a rvore do conhecimento do bem e do mal. Desta ltima o homem no podia comer, isto , no podia ligar-se a ela, ser nutrido por ela, viver dela. Comer do fruto proibido foi a causa de o homem ter sido expulso do paraso. Por ter sado da evoluo harmnica da unidade divina, Ado caiu na oposio polarizada da dualidade.

    As dez Sef irotes formam, juntas, uma imagem da rvore da Vida. Os trs crculos esquerda representam a Sef ira masculina; e os trs crculos direita representam as caractersticas femininas. Quatro crculos no centro mantm as caractersticas masculinas e femininas em equilbrio misso da vida de todo Ado, todo ser humano. A estrela de Davi, com seis pontas, que tambm o selo de Salomo, ref lete esse equilbrio. O tringulo da busca terrestre est voltado para o alto; e o tringulo da plenitude di

    vina derrama-se do alto em direo ao que est embaixo. O signif icado das dez luzes profundo, rico e expressivo. Mal conseguimos interpret-lo com palavras. Nenhuma das dez Sef irotes independente. Juntas, elas formam uma unidade que liga os quatro mundos, que so: o mundo do segredo o mundo da criao o mundo da formao o mundo da completa realizao

    O pequeno mundo do verdadeiro homem, ou seja, o microcosmo, uma unidade em si mesma e tem suas razes nos quatro mundos mencionados acima. Portanto, esse ser est inteiramente em concordncia com o macrocosmo: ele o chamado Ado Kadmon.

    As dez Sef irotes so: Keter ou coroa Chokhmah ou sabedoria Binah ou conhecimento, entendimento Chessed ou amor, misericrdia Gevurah (Din) ou julgamento, poder Tifereth ou beleza Hod ou glria, majestade, esplendor Netzach ou vitria Yesod ou fundamento, alicerce do mundo Malkhut ou reino, realeza

    Essas dez Sef irotes so unidas por 22 linhas (sendas). A cada senda corresponde uma letra do alfabeto. As sendas representam inteligncias, por exemplo: a inteligncia renovadora, a imaginativa, a triunfante, a reunif icadora, a ordenadora.

    a rvore da vida 27

  • 28 Pentagrama 3/2015

    a magia da realidade

    realismo mgico

    Este artigo tambm no vai envolver o leitor com a distino entre magia branca, negra ou cinza, mesmo que uma experincia vivenciada em matria de magia possa ser uma ajuda para compreender do que se trata, ou seja: defender um comportamento realista-mgico. O ponto de partida a convico de que nossa conduta sempre mgica, ou, em outras palavras: ela quem determina nossa realidade. O autor tenta colocar claramente diante da conscincia do leitor que, se sua maneira de agir simplesmente realista pode ser vivida de maneira mgica, isso significa que ele definitivamente j atravessou uma fronteira. Eventuais experincias anteriores situadas no limite (nas fronteiras) sero preciosas talvez at mesmo indispensveis para que ele possa compreender melhor do que se trata. O ponto de partida essencial: h duas realidades de conscincia. Entre as duas, a fronteira est muito bem demarcada. Podemos v-la como uma muralha que atravessa nossa cidade e que nos separa da cidade antiga que, alis, j no reconhecemos.

    UMA PASSAGEM PELO STO Todos os seres humanos so envolvidos por um microcosmo, e isso quer dizer que todos os aspectos do macrocosmo esto no interior de nosso prprio sistema, nosso pequeno mundo. Como homens microcsmicos, pertencemos s duas realidades. Nossa conscincia oscila entre os dois polos e no fcil ultrapassar a muralha que delimita as duas realidades. J no conseguimos achar a passagem.

    O microcosmo representa a cidade antiga uma das duas realidades. O ncleo do microcosmo, o tomo centelha do Esprito, desperta em nosso corao humano uma reminiscncia indefinida. Sentimos um desejo perturbador, que se mistura com certa inquietude: ansiamos por outra realidade. A condio do microcosmo para que possa permanecer nesta realidade aqui embaixo, cada vez habitado por um ser mortal diferente faz que a outra realidade somente possa falar em ns sob a forma de reminiscncia imagtica de um mundo maravilhoso, inacessvel. Essa reminiscncia nada tem a ver com uma antiga felicidade, com uma relao anterior, nem com todos os que ocuparam anteriormente a morada microcsmica, por mais que nela esteja registrado e armazenado tudo o que tenha sido vivido ali. So todos esses tesouros de nosso sto que exercem certo fascnio sobre ns. Lembre-se de sua infncia e de como o sto da casa de seus avs era atraente! Uma pobre lampadinha e um raro raio de sol revelavam cartes, mveis, tecidos, diversos objetos... um mundo mgico para uma criana que logo se via transportada para um lugar completamente diferente, nas nuvens! Essa viagem pelas descobertas apaixonantes se parece com a viagem que podemos fazer at o interior de nosso prprio microcosmo.

    O QUE VEM ANTES DA VIAGEM Pode parecer perturbador sim, pois ser que somos mesmo esse tipo de viajante? e bem verdade que

  • realismo mgico a magia da realidade O objetivo deste artigo no falar de um gnero literrio, mesmo que o realismo mgico de certos romances, sob um ou outro aspecto, conviesse perfeitamente para interpretar diferentes nveis de conscincia. Talvez certa bagagem literria possa servir de auxlio, mas no indispensvel para compreender o que se segue. O romance no se apresenta na vida de todas as pessoas, mas a vida de cada pessoa mostra que pode ser, ao mesmo tempo, uma realidade e um milagre mgico.

    Silo, de Peter Vlot

    realismo mgico - a magia da realidade 29

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    esse tipo de viagem ao interior de ns mesmos uma forma realista e mgica de agir. Essas viagens nos permitem descobrir quais so os elementos de um eventual passado longnquo que ainda esto determinando nossa existncia. So os fios de nosso destino que nos prendem! Eles nos fazem descobrir a construo de nossa priso. uma busca interessante, que lana luz sobre o que est impedindo nossa alma de ultrapassar a fronteira: a fronteira do pas que ela, na verdade, jamais abandonou. A alma recebe um chamado, que vem de seu mundo: um chamado para que ela volte para l. Encontramos isso na Cano da Prola (mito gnstico transcrito no Evangelho de Tom): a alma recebe uma carta, trazida por uma guia. Essa carta, que est endereada a ela, vem da parte de seu Pai-Me, do pas que um dia ela deixou para trs. Ela observa as palavras transcritas na carta e sente que correspondem s palavras que traz no corao. Esse convite que a alma recebe tambm pode ser visto no livro As npcias alqumicas de Christian Rosenkreuz: Uma noite, vspera do dia de Pscoa, estava sentado mesa e, segundo meu costume, havia conversado com o Criador em humilde orao e meditado sobre grandiosos segredos pelos quais o Pai das Luzes mostrara-me, em profuso, sua majestade. Desejava, pois, preparar no corao, juntamente com meu bem-amado cordeiro pascal, um bolo zimo imaculado, quando repentinamente se de

    sencadeou vento to terrvel que nada pude pensar seno que se desmoronara, por fora da violncia, a montanha em que estava escavada minha casinha. Contudo, tal tentativa do Diabo, que me havia causado muitas penas, no me surpreendeu. Cobrei nimo e prossegui minha meditao at algum tocar-me as costas, assustando-me de tal modo que no ousei volver-me. Conservei a confiana, porm, at onde pode faz-lo a fraqueza humana, em tais circunstncias. Todavia, ao ser puxado pelo casaco repetidas vezes, volvi-me. Vi ento maravilhosa figura feminina, trajando um vestido de cor azul como o cu e magnificamente coberto de estrelas douradas. Na mo direita ela levava uma trombeta de ouro macio, em que estava gravado um nome que bem pude ler, porm que mais tarde me foi proibido revelar. Na mo esquerda tinha um volumoso mao de cartas, escritas em diversos idiomas, que ela, como soube mais tarde, deveria distribuir por todos os pases. [...] To logo me volvi, buscou entre suas cartas, extraindo dentre elas uma pequena, que colocou sobre a mesa com profunda reverncia, retirando-se de minha presena sem dizer sequer uma palavra. [...] Mesmo fora ela de ouro macio, no seria to pesada como era. Ao examin-la com cuidado, descobri um pequeno selo com que estava fechada. Neste estava gravada uma cruz delicada com a inscrio: In hoc signo vinces (Com este sinal vencers). [...] Abri cuidadosamente, pois, a carta. Nela estavam escritos, em fundo azul e com letras douradas, os seguintes versos:

  • Um ato mgico uma experincia fascinanteque modifica toda a nossa realidade

    Hoje, hoje, hoje o dia das npcias do rei. Se para nelas tomar parte hs nascido e por Deus para a alegria eleito foste, podes vir at a montanha em que os trs templos se encontram e l o milagre contemplar.

    S vigilante! Examina-te prudentemente! Se no te purificares, As npcias podem causar-te dano. Quem dos pecados no se lavar, Demasiado leve achado ser!

    Embaixo estava: Sponsus et Sponsa (esposo e esposa)

    Esta narrativa , portanto, um convite para as npcias reais. Ao mesmo tempo, um convite para iniciarmos o caminho, para subirmos a montanha. E a condio para conseguir um bom desempenho observada com preciso: estar purificado, lavado de todos os pecados.

    A QUEM EST ENDEREADO O CONVITE? A partir dessa narrativa, percebe-se que a condio para ser convidado manter uma relao e um dilogo ntimo com o Pai das Luzes. E, no corao do convidado, deve ser produzido algo completamente novo, em virtude dos atos que se apresentam: um bolo zimo [sem fermento] imaculado. Alm disso, o realismo exigido: S vigilante! Examinar-nos! preciso estarmos desper

    tos, a fim de ver o que h dentro de ns, de ver o que realmente somos. O que observamos precisa ser colocado prova: confrontados com a exigncia de um banho de purificao, precisamos ser lavados de todos os pecados. Cumprir sinceramente essa tarefa um ato mgico. uma experincia fascinante que modifica toda a nossa realidade. Na verdade, o que acontece? Na histria da Cano da Prola, vimos a guia que vem do pas do Pai-Me e traz a carta que, no corao do filho, provoca um efeito de espelho, um reconhecimento. Isso significa que a Luz exterior, que nos convida, pode ser reconhecida como sendo a Luz interior, que brilha no espao do corao. A linguagem do elemento-Luz em ns faz eco s vibraes da outra realidade de conscincia a realidade do campo de Luz que nos envolve. Esse efeito de ressonncia comunica-se com nossa conscincia sob a forma de aspirao, de inquietude, de nostalgia. medida que essa transmisso de fora for aumentando, essa ressonncia far explodir nossa crosta endurecida, nossa carapaa protetora. Essa carapaa que se encontra entre a Luz interior e a Luz exterior nada mais que nossa teimosia arisca, nosso velho pensamento berrando a plenos pulmes.

    VAMOS FALAR SOBRE O REALISMO MGICO Nesse momento, existe apenas a inquietude que, com nossa vontade de compreender, nos persegue na Terra, no mundo humano, atravs da rede de nossas relaes. E isso vai aconte

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    Vamos removendo delicadamente nosso fio pessoaldo tecido, para que ele seja utilizado em uma novatecelagem, muito mais livre

    cendo at que, em nosso sangue, fica registrado o conhecimento de que o pas fascinante de nossa pr-memria no fica em nenhuma parte deste globo e percebemos que a mulher bela e misteriosa para quem nosso corao parece estar inclinado uma apario que no faz parte da multido humana como se fosse um cacho de cabelos dourados perdido em nossa pr-memria, embaixo de um casaco cinzento e, com certeza, tambm no faz parte do clube seleto de personalidades supereducadas de nosso meio social. Ento, a busca desenfreada e apaixonada relaxa um pouco e comea uma viagem interior, uma descida a ns mesmos, desta vez conduzida pela alma. Em seguida, aparentemente como um dos personagens de Gustav Meyrink, descobrimos completamente por acaso um velho manuscrito em um nicho da antiga manso. Assim, comeamos a fazer uma leitura do passado dos antigos moradores de nossa casa. Estados, climas, predecessores de um passado longnquo, lembranas comoventes ou estressantes, tudo isso nos faz lembrar o motivo pelo qual estamos interessados nesses personagens e talvez sintamos a proximidade de velhos fantasmas que nos observam e nos convidam para um baile de mscaras. E a est a oportunidade, que nos oferecida, para olhar atravs dessas mscaras! Existe a Luz exterior e a Luz interior. Entre as duas, est nosso pensamento presente, com suas preocupaes bipolares, s quais nossa conscincia est acorrentada. Para decifrar essa situao,

    precisamos da Luz tanto da exterior como da interior. Em conjunto, elas terminaro por chegar at ns, tocando nossa conscincia e, melhor ainda: expressando-se em ns. Alguma hora, de tanto sermos puxados pela manga da camisa, vamos nos virar para ver que estamos sendo convidados! Resumindo: nossa alma est recebendo uma carta-convite para mudar de rumo e voltar-se para o Pai-Me que um dia ela deixou para trs.

    O REALISMO VAI ABRINDO O CAMINHO Quando a conscincia sente esse desejo to especial que jorra da centelha do Esprito que foi tocada, ela somente quer falar sobre isso, cantar seu anseio pelo outro pas, seu desejo de unir-se a Deus, Luz, felicidade, beleza, sabedoria e verdade. Quando a conscincia capta tudo isso e se identifica, a alma se sente como uma jovem adolescente que, apaixonada, sempre est buscando o castelo onde, em uma festa maravilhosa, ela se encontrar com seu bem-amado. Mas, quando a conscincia consegue reconhecer que essa aspirao um desejo da alma, ento uma nova possibilidade liberada. uma nova lucidez, um realismo que vai abrindo caminho. O homem se transforma em um mgico realista, preparado para trazer tranquilidade e limpidez ao seu campo de respirao, de tal modo que os raios de Luz, agora menos fragmentados, fiquem mais intensos para que o fluxo de energias construtoras no seja interrompido. Essa possibilidade traz consigo outra magia: a magia gnstica pela qual o interior, tal como

  • um espelho sem manchas, imaculado, reflete claramente a nova realidade da conscincia para todos e no interior de todos. Grandes sbios imaginavam a humanidade como um conjunto como um amontoado de bolas, de volumes esfricos, como se fossem amoras ou framboesas: como uma s fruta composta de milhes de pequenas esferas palavra grega para denominar bolas. Nossa esfera ou bola individual est rodeada por uma carapaa. Quando permitimos que a ressonncia da luz entre, o escudo protetor do eu se abre e nossa bola se torna mais transparente. A Terra e toda a comunidade humana tambm esto envolvidas por essa carapaa, um anel delimitador. De certo modo, podemos dizer que a Terra a humanidade e que a humanidade a Terra. Quando todas essas pequenas esferas que so todos os seres humanos se tornarem fontes luminosas e translcidas, a terra ir ficar muito parecida com um... sol!

    O FIO DOURADO DA VOLTA CASA DO PAI O convite sobre o qual estamos falando tem a inteno de nos fazer tomar nosso rumo, pegar a estrada! H um caminho a ser seguido. Na primeira etapa s seguir a luz de seu prprio corao. Para ter mais informao, uma Escola Espiritual de grande utilidade! Concretamente, trata-se da vida comum a nossa vida com todas as suas agitaes, seus encontros, conflitos, bom dia, boa tarde, boa noite, suspiros de aflio... Se estivermos dispostos a perceber o

    realismo mgico, se estivermos preparados para ver que o que nos anima vem da Luz do corao, ento cada encontro vai trazer um convite e cada consentimento efetivo vai modificar algo de nosso ser. assim que observamos que nossos altos e baixos no so jogos do acaso nem o resultado de uma existncia solitria. Ento, comeamos a enxergar que h um fio dourado que atravessa todas as situaes que sucedem em nossa vida. Seguir nosso prprio fio dourado passa a ser um movimento de retorno. Vamos removendo delicadamente nosso fio pessoal do tecido, para que ele seja utilizado em uma nova tecelagem, muito mais livre! E, claro, ao realizar essa tarefa, vamos nos cruzar com inmeros fios da trama formada por todos esses novelos de homens e mulheres com os quais iremos nos encontrar. Toda relao entre duas pessoas feita de ns, de laos, de pontos de contatos extremamente individuais. Quando desfazemos este ou aquele n, percebemos que a ligao se dissolve, desaparece: j no h uma ligao obrigatria, como se fosse ditada pelo destino, limitando nosso espao e nossa liberdade. J no h, por exemplo, a predominncia de um sobre o outro, nem uma relao afetiva desesperada. Desaparece o sentimento maternal que constrange e pressiona, j no existe aquele desespero diante de uma separao ou da perda de um ente querido... Por outro lado, a liberdade vai ganhando terreno. Afinal, no h nada mais mgico do que renunciar a si mesmo!

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    a viagem de mantao C.M. CHRISTIAN*

    De onde vens?

    s primeiras horas da manh, quando o campo ainda estava envolvido por sua veste rosada como uma jovem esposa adornada com seus vus, quando mirades de prolas refletiam a luz do sol, meu pai, o rei Man, e eu mesmo, seu filho Mantao, fazamos um passeio no magnfico jardim. Quanto encantamento havia no aroma e no esplendor das flores que iam despertando suavemente! Fizemos uma pausa em um local onde jorrava uma resplandescente fonte prateada, encantados pelo canto jubiloso dos pssaros empoleirados no alto cimo de uma velha rvore. Essa rvore era to antiga que ningum sabia qual seria sua idade. De acordo com a lenda, ela estava l, elevando-se firmemente com toda a sua fora, desde tempos imemoriais. E ali ficamos ao p da rvore por um tempo. Em profunda meditao, eu me indagava sobre seu mistrio. Diz-me, querido pai: o que o tempo? No entanto, Man, meu pai, no respondeu. Nem por isso desisti e refiz minha pergunta: Diz-me, eu te rogo, meu pai: o que o tempo? Novamente meu pai guardou silncio, como se desejasse que eu no houvesse feito a pergunta. Nem isso conseguiu me apaziguar e, com obstinao infantil, indaguei pela terceira vez: No saber isso uma tortura para mim, pai. Se um segredo, confia-o a mim! preciso que eu saiba: o que o tempo? Uma sombra deslizou pela fronte de Man; logo ele a varreu para longe de si. Ento, amigavelmente, ergueu a mo e apontou para a velha rvore. Se persistires e quiseres realmente sab-lo, meu menino, primeiro colhe para mim, no alto cimo desta rvore, o fruto mais belo!

    Muito zeloso e feliz, aproximei-me do tronco. Como era notvel essa rvore! Logo comecei a subir por ela at ficar envolvido por sua rama. Quanto silncio minha volta! Eu me sentia envolvido pelo mistrio e, ao meu redor, volteavam maravilhas. Os pssaros haviam cessado de cantar, as folhas j no sussurravam, lgrimas douradas escorriam pelos galhos, e, na ramada planava um profundo silncio. Eu ia me aventurando cada vez mais alto atravs da densa folhagem. Uma pomba me seguia, arrulhando suavemente at eu alcanar o cimo. L, descobri acima de mim o mais delicado dos frutos. Seu odor era suave. Poderamos dizer que era um fruto de ouro completamente maduro, incrivelmente belo. Fiquei to espantado que no ousava nem sequer estender a mo em sua direo. Subitamente, ouvi um sibilar acima de mim. Inclinei a cabea e enxerguei uma pequena serpente que se contorcia. Segue meu conselho!, disse ela, antes de levar o fruto a teu pai, morde-o e v o que h dentro dele. Assim, sabers tudo o que queres saber. Eu a escutava, fascinado. Porm, quando senti uma sombra sobre minha cabea, disse a ela: No, no! Quero primeiro lev-lo a meu pai. Escuta, insistiu a pequena serpente, este fruto divino traz em si o segredo do Tempo! Teu pai no ir revelar-te esse segredo. Portanto, se queres conhec-lo, morde-o e v o que h dentro dele! No mesmo instante meu corao se ps a tremer de desejo. Um anseio at ento desconhecido tomou conta de mim. Estendi a mo em direo ao fruto... Ainda ouo o arrulhar plangente da pomba. Tremendo, colhi o fruto e, logo que o tive em minhas mos... o mordi e olhei para seu interior. Ah, como lamentei ter feito isso! O fruto me escapou das mos e rolou l para baixo, muito longe

  • de mim. Como que atin-gido por um raio, per-di o equilbrio e so-fri uma queda: tive a im-presso de mergulhar, atravs da fonte, em um abismo. Quando despertei, tudo minha volta estava escuro e endurecido. J no havia luz. Haviam desaparecido o esplendor, a coroa, as vestes resplandescentes. O reino do Pai-Me-Filho estava esquecido. Meu olho solar estava fechado. Tudo o que havia minha volta era uma noite fria. Eu me arrastava, engatinhando, de pedra em pedra, de arbusto em arbusto. Sbito, ouvi uma voz: Olha! Temos um novo hspede no reino! Onde estou?, perguntei, enquanto ia me esgueirando como um animal medroso, rastejando pela terra. Uma tartaruga gigante saiu de seu buraco e me respondeu: Ests no reino do soberando de duas cabeas! Ele reina com muitos sins e nos, com sinto muito! e Ah-h-h!.

    Vem, meu ra-

    pazinho. Segue-me,

    que te mostrarei um pouco do ca

    minho durante tua viagem atravs do mundo.

    Docilmente, segui a tartaruga na poeira. Ela me explicou muitas coisas: Ergue a cabea! Ests vendo aquela luminria ali? Pois bem: a partir de agora, ela ser teu sol. Ela fornece luz somente durante o dia, quando no est oculta pelas nuvens. Ela pode tambm queimar tua pele. Ela o espelho do verdadeiro Sol e oferece, durante certo tempo, um pouco de sua fora para os seres que vivem na Terra: ela tambm lhes oferece luz para seus olhos. por isso que deves ser reconhecido a ela, pois sem ela estarias perdido! Alm disso, olha: noite uma lente de prata l de cima ilumina o mundo - a Lua. Ela te liga rede dos sonhos, tecida com os fios multicores de teus desejos, a fim de que jamais eles deixem de ser saciados, tanto na infelicidade como na felicidade.

    a viagem de mantao 35

  • ... aqui, eu me encontrava como um rei em meio a cavalheiros e damas de grande distino Ah, que felicidade!... ali, precisava deixar tudo para trs e fugir para longe de uma cidade incendiada Oh, que infelicidade!

    36 Pentagrama 3/2015

    E l adiante, na ferica tranquilidade da veste da rainha da noite, ests vendo todos aqueles pontinhos brilhantes? So as estrelas. Com seus olhos gelados, elas te atraem com seus fios, de alto a baixo, da esquerda para a direita, bem perto ou longe, no mundo inteiro! De acordo com tuas expectativas, elas te mostraro, talvez um dia, o sentido do mundo. E assim ela foi me ensinando muitas outras coisas, a velha tartaruga, sbia guardi do reino do soberano de duas cabeas. Subindo e descendo, eu ia seguindo seu rastro, dia e noite, noite e dia, a fim de aprender a caminhar no movimento circular do relgio do mundo. Um dia, sem dvida exausta de me mostrar tudo, ela me abandonou e arrastou-se para seu buraco, para que eu fizesse meu caminho por mim mesmo. Desde esse momento, s consegui andar em crculos. No entanto, logo me dei conta de que eu havia sido seguido secretamente. Dois camaradas muito estranhos danavam minha volta, zombando de mim e me provocando, ora debochando ora fazendo elogios. Brincavam comigo suspirando Oh!, ou gargalhando H-h-h!. Poderia jurar que queriam me prender. Cada um manejava um espelho ligado a uma haste longa um com Oh e outro com Ah!. Ficavam me rodeando sem parar: Olha aqui! Olha ali!, Oh!, Ah!. E assim eles iam me arrastando, criando em mim desejos diferentes. Muitas vezes eu desistia e caa em armadilhas. Eu estava preso aos espelhos Oh e Ah! por meio de todos os meus sentidos. Quando olhei para um deles, vi-me deitado em um bero na casa de minha mezinha: crianas brincavam ao Sol, correndo atrs de borboletas, em uma pradaria florida. Ah!

    Quando olhei para o outro, via, na escurido minha volta, uns camaradas esquisidos, armados com porretes. Eles baterem em mim at quase me matar, e ouvi meu prprio grito de morte. Oh! Ah-h! Ento, eu j estava ali, sentado ao p de uma fonte onde jovens encantadoras enchiam seus jarros e me atraam, rindo, para que eu fosse beber com elas. Oh! De repente eu j estava l, entre velhos exaustos, atormentados e indefesos, rodando em crculos, mancando. Abandonados, os infelizes se arrastavam rumo s suas tumbas. Aqui, em salas suntuosas, eu me encontrava como um rei em meio a senhores e damas de grande distino, me embebedando de glria, riqueza e poder, como entoxicado por um vinho delicioso Ah! Ah-h! Ali, eu estava ajoelhado com os mancos e mendigos chorosos, atormentados pela misria, corrodos pela lepra, nos degraus de mrmore dos palcios dos ricos. Oh, oh, oh! Aqui, eu vivia com uma esposa corajosa e um crculo alegre de filhos e filhas. Uma verdadeira bno, esse tranquilo esprito familiar! Que felicidade! Ali, em uma cidade incendiada, eu tinha de deixar para trs todos os meus bens e fugir do inimigo, com mulheres e crianas em prantos. Que infelicidade! Aqui, eu era um erudito entre sbios, honrava a cincia e me enriquecia com tudo o que havia de prudncia, saber e arte. Que felicidade! Ali, eu chafurdava na lama de minhas paixes, onde a volpia e a dependncia nutriam o pecado e o vcio e onde o temor do castigo atraa sofrimento, doena e morte. Oh, meu Deus! Aqui, eu ficava fascinado com as maravilhas do Todo Poderoso e seu mltiplo esplendor, pelo jogo dos elementos e do insacivel instinto de vida.

  • Ah! Que maravilha! Ali, eu me via frente a frente com a impotncia das criaturas, a adversidade, a decadncia, a decomposio, a destruio e a morte inevitvel. Misria! Aqui, eu descobria as artes e magnficas obras, imaginadas de forma genial pelos pensadores e executadas com destreza pelos artesos: tantas expresses de todos os povos e de suas culturas florescentes. Quanta beleza! Depois, abria-se para mim o inferno e sua maldade, com as obras astutas cheias de mentiras ardilosas: o reino da cupidez, do poder e da iluso. Oh! Cala-te! Em seguida, eu encontrava as primcias da primavera iminente da f, da esperana e do amor. Como isso fazia bem! Mas logo o frio, a pura inveja, a hipocrisia, o dio, a iniquidade, a crueldade, a tirania e a subservincia iam se desvelando diante de meus olhos. Que horror! Quanto tempo vagueei assim, sem rumo, em meio engrenagem do relgio do mundo, com seus Ahs! e Ohs!, suas felicidades e infelicidades? J no sei. Quantas vezes fui pendurado nessas rodas, ora subindo, ora descendo, do bero ao tmulo, do tmulo ao bero, ora mais baixo, ora mais alto, em um circuito delirante? J nem sei mais. S sei de uma coisa: eu era prisioneiro dos jogos dos espelhos das foras gmeas do soberano de duas cabeas! Tudo o que eu sentia, tanto de prazer como de dor, acabava se revelando como sempre como uma quimera, uma iluso, de tanto que eu era enganado pelo vai e vem incessante dos espelhos. Um dia, finalmente, fiquei farto de tudo isso. Cansado de tanta iluso. Exausto de tanto ser jogado de alto a baixo na engrenagem do relgio, na roda do tempo. Farto do jogo das mudanas com seus Ahs! e Ohs!, sempre com seus Sins e Nos logo em seguida. Farto do nascimento e da morte, do dia e da noite... Eu queria ficar livre das foras gmeas! E ento, de repente, aconteceu! No meio de uma noite de angstia interior, as estrelas brilharam acima de mim, de um jeito to luminoso, mais resplandecentes do que nunca.

    Ajoelhei-me. Do fundo de meu corao elevou-se uma chama, um ardente desejo. Uma voz falou dentro de mim, muito serena e doce: Esqueceste o Outro em ti, o Pai-Me-Filho, e nosso Reino de Luz? Ser mesmo que esqueceste completamente da veste de luz, da coroa, da fonte e da velha rvore, da pura claridade do espao ilimitado...? Quando ouvi essas palavras, pus-me a chorar amargamente. Enquanto vertia minhas lgrimas, entregue a meu desespero, subitamente senti um toque leve e enternecido em minhas costas. Ento, eu me virei. Era um burrinho de olhar fiel, de fronte clara, que trazia uma flor em seu focinho. Ele colocou a flor diante de mim e disse: Irmo dos homens, deixa-me auxiliar-te em teu caminho de volta! De volta? Ento sabes que sou um estrangeiro neste mundo?, indaguei-lhe, surpreso. s um estrangeiro aqui e desejas voltar ao reino de teu Pai. Mas sabes realmente por que ests aqui? No sei, confessei com suavidade. O burrinho murchou as orelhas. Perdeste uma coisa maravilhos. Primeiro, tens de reencontr-la, antes de voltar para perto de teu Pai. Perdi algo maravilhoso?, gritei, espantado. E o que seria isso? Aguns o chamam de pedra filosofal, a pedra dos sabios e outros de o fruto dourado do Paraiso. Ento, vamos sair em busca desse tesouro! exclamei do fundo de meu corao angustiado. Bom, ento vamos!, disse ele. Menos de uma hora mais tarde, j estvamos tomando a direo do Oriente. Situada em uma alta muralha, havia uma passagem, que nos conduziu a uma portinha, que se abria para uma vasta plancie. Foi assim que o burrinho e eu seguimos caminho.

    Continua na prxima edio

    * A histria da viagem de Mantao uma adaptao em prosa do livro

    Die Reise des Mantao Eine Perlenlied der Gegenwart (A viagem de

    Mantao uma Cano da Prola da atualidade), de C.M. Christian,

    (DRP) distribudo pela Editora Rosa-Cruz alem 1944

    a viagem de mantao 37

  • 38 Pentagrama 3/2015

    a redescoberta da gnosis III Na ocasio da apario em holands do livro Ecos da Gnosis, uma Conferncia pblica foi realizada em 6 de novembro de 2013, na livraria Pentagrama de Haarlem, nos Pases Baixos, sob o ttulo: Por que George R.S. Mead pode ser chamado o primeiro gnstico moderno. Exporemos aqui a terceira parte dessa conferncia.

    G raas descoberta feita em Nag Hammadi, a viso


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